Por Robert Royal
O Papa Francisco deixou a Igreja com múltiplas controvérsias, algumas herdadas e outras provocadas por ele mesmo. De fato, em meio às queixas sobre o clericalismo e os “retrógrados”, e a notável presença de temas LGBT e feministas em recentes pronunciamentos eclesiais, poderíamos nos perguntar onde encontrar um catolicismo mais robusto, mesmo militante e varonil, tão necessário diante dos desafios do islã renascente e da decadência do Ocidente. Grande parte disso pode ser considerada à luz da decisão do falecido Papa —sendo jesuíta!— de tomar o nome do pobrezinho de Assis, São Francisco.
Tenho refletido sobre essas questões enquanto lia Francis of Assisi: A New Biography de Augustine Thompson, O.P., que é “nova” não só por ser relativamente recente, mas porque segue um caminho interessante para identificar o “Francisco histórico”. Ou seja, na medida em que pudermos reconstruí-lo a partir das fontes mais confiáveis, em meio aos mitos tradicionais e aos “Franciscos” modernos: o Francisco hippie, o Francisco de uma Igreja pobre e despojada, o Francisco ecologista, etc. E embora Thompson não descarte completamente os relatos antigos nem as versões românticas modernas, oferece correções dignas de toda a atenção de quem se preocupe com a verdade histórica.
Um exemplo emblemático: a maioria das pessoas acredita que a melosa “Oração de São Francisco” (“Faze-me um instrumento da tua paz”) foi escrita pelo santo. Na realidade, foi composta por volta de 1912, em francês. E ainda mais significativo: “Por nobres que sejam seus sentimentos, Francisco não teria escrito uma peça assim, centrada como está no eu, com a constante repetição dos pronomes ‘eu’ e ‘me’, sem que apareçam nem uma única vez as palavras ‘Deus’ ou ‘Jesus’.” Thompson observa que essa descoberta costuma ser muito dolorosa para seus alunos, que foram levados a acreditar o contrário.
Como mostra este exemplo, Thompson é meticuloso com as fontes e esclarece numerosos mal-entendidos. De fato, esta biografia também é “nova” por sua curiosa estrutura. Tem —nominalmente— pouco menos de 300 páginas, mas apenas a primeira metade é biografia. A segunda consiste, não em notas de rodapé, mas em breves discussões sobre as questões levantadas, capítulo por capítulo, entre os estudiosos. Dessa forma, é uma guia inestimável para quem deseja se aproximar do verdadeiro São Francisco, e não de uma figura fabricada para servir a agendas contemporâneas.
Certamente, não é fácil transpor o que Francisco fez no século XIII para a nossa era atual. Mas há vários pontos de contato interessantes. Por exemplo, em relação à “Oração de Francisco”, o santo sim buscou a paz entre os italianos de seu tempo, que estavam quase perpetuamente em guerra, não só entre cidades-estado rivais (nas quais o próprio Francisco havia combatido), mas também entre facções muito polarizadas dentro das mesmas cidades, incluindo Assis. Francisco se concentrou mais em levar as pessoas a um estado de paz interior do que em um programa político.
Como explica Thompson, “Uma coisa que distingue Francisco de outros pacificadores medievais, anteriores ou posteriores, foi sua absoluta falta de um programa de reformas legais ou sociais.” Pode ser que tenha sido precisamente por isso que exercia um forte magnetismo pessoal, sem sequer se propor, entre as almas desconcertadas de seu tempo.
Tampouco parece ter tido um “programa religioso” no sentido de um esforço organizado de reforma. Seu “programa” era viver segundo os termos simples do Evangelho. Também aqui, seu impacto foi provavelmente maior no mundo medieval —e além— do que se tivesse fundado uma ordem religiosa de caráter mais programático.
De fato, segundo Thompson, mesmo o crescimento do que veio a ser a Ordem Franciscana foi mais fruto de pessoas que decidiam segui-lo a ele, do que de uma dedicação do grupo a um propósito corporativo bem articulado.
Ao longo do livro, aparecem várias surpresas. Por exemplo, Francisco não foi um precursor das igrejas de taça de cerâmica e bandeira de feltro. Não se preocupava demais com as disputas teológicas nem com as guerras litúrgicas, mas desde seus primeiros dias como penitente, “vinculava a penitência pelo pecado com o cuidado pelos lugares sagrados. Desejava que o culto a Deus e a celebração dos sacramentos contassem com o melhor equipamento e preparação possíveis.”
É claro, dada a natureza humana caída, mesmo o enfoque evangélico mais simples deu origem a tensões dentro da própria Ordem franciscana, ao surgirem distintas interpretações do que significava “simplicidade”. Mas Francisco manteve tudo unido graças ao extraordinário apelo de sua profundidade e sinceridade.
Ainda assim, foi uma figura controversa mesmo na Idade Média. Alguns pensavam que o que Francisco estava fazendo era justamente aquilo contra o que o muito prático São Bento havia advertido. No Paraíso, Dante aborda a suposta rivalidade entre franciscanos e dominicanos fazendo com que Santo Tomás de Aquino elogie Francisco enquanto deplora os membros corruptos de sua própria ordem, e que São Boaventura elogie os dominicanos enquanto lamenta a decadência entre os franciscanos.
A única coisa verdadeiramente constante na vida de Francisco foi a evangelização. Hoje, a Igreja fala muito de ecumenismo e convivência pacífica entre religiões, o que é compreensível dado o estado do mundo. Mas Francisco, celebramente, viajou ao Egito para converter o sultão al-Kamil, e foi recebido com cortesia, algo quase milagroso considerando a guerra em curso e o tratamento habitual que recebiam os cristãos que buscavam converter muçulmanos: a morte. Não teve sucesso, mas claramente impressionou o líder muçulmano.
Alguns críticos da obra de Thompson se queixaram de que ele perde a poesia de Francisco em meio à prosa estreita do rigor acadêmico. Talvez, mas o livro continua sendo uma leitura fascinante. E tivemos tantas “interpretações criativas” —boas, como as de Chesterton (embora “talvez mais Chesterton do que Francisco”), e outras menos afortunadas, como as de Leonardo Boff, que transformou o Francisco apolítico em um teólogo da libertação (que “subverte as hierarquias capitalistas”)—, que esta obra é muito útil para se ter à mão quando se atravessam versões mais extravagantes.
Porque o pobrezinho de Assis merece todo esforço possível por compreendê-lo mais plenamente. Se alguém pode ser chamado de alter Christus, é ele.
Acerca do autor:
Robert Royal é editor-chefe de The Catholic Thing e presidente do Faith & Reason Institute em Washington, D.C. Seus livros mais recentes são The Martyrs of the New Millennium: The Global Persecution of Christians in the Twenty-First Century, Columbus and the Crisis of the West e A Deeper Vision: The Catholic Intellectual Tradition in the Twentieth Century.
